Palavras em Contexto
sábado, 8 de outubro de 2011
Irmandade
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.
Octavio Paz
Postado por João
domingo, 2 de outubro de 2011
Polêmica ou ignorância?
Marcos Bagno
Universidade de Brasília
Para surpresa de ninguém,a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.
Jornalistas desinformados abrem um livro didático,leem metade de meia páginae saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos doque eles mesmos pensam (se é que pensam nisso,prepotentementeconvencidos que são,quase todos,de que detêm o absoluto poder da informação).
Polêmica? Por que polêmica,meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista,fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio.
Já no governo FHC,sob a gestão do ministro Paulo Renato,os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística,o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo,a mudança irreprimível que transformou,tem transformado,transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares”poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E,é claro,com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”,esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar,e o de seus aprendizes,não é feio,nem errado,nem tosco,é apenas uma língua diferente daquela –devidamente fossilizada e conservada em formol –que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo,principalmente nos últimos tempos,com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que,amparados em tecnologias inovadoras,tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.
Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro doconjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias,enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si,com gramática própria,diferente da do português europeu,teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas.
A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua,em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam,em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco,o masculino e o feminino,o mocinho e o bandido,o certo e o errado e por aí vai. Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse,sim,que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco”para empreender sua campanha obscurantista,que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).
Da mesma forma,nenhum linguista sério,brasileiro ou estrangeiro,jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali,fechados em sua comunidade,em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los aomundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio,mas é preciso repetir isso a todo momento.
Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”,porque essa regra gramatical (sim,caros leigos,é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”,porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro,mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo”e os que falam “errado”,é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos,de modo que eles –se julgarem pertinente,adequado e necessário –possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme,que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos,como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos,como dizem dois ou três gatos pingados).
O mais divertido (para mim,pelo menos,talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”,no exato momento em que a defendem,empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem,vendo o Jornal das Dez,da GloboNews,ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta:“Como é que fica então as concordâncias?”. Ora,sr. Monforte,eu lhe devolvo a pergunta:“E as concordâncias,como é que ficam então?
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sexta-feira, 2 de setembro de 2011
EU VI ELE, SIM, E DAÍ?!
Professor Doutor da UnB
Pouco tempo atrás, comemorei nesta coluna a publicação da Gramática do Português Brasileiro, de Mário Perini. Agora é de toda justiça celebrar também o recente lançamento da Nova Gramática do Português Brasileiro, de Ataliba T. de Castilho, reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes linguistas brasileiros contemporâneos. Além disso, também é preciso dizer que já em 2008 tinha saído a Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, de autoria de José Carlos de Azeredo, inovadora sob muitos aspectos. O que caracteriza essas obras gramaticais é sua opção explícita pela descrição do português brasileiro vivo contemporâneo tal como ele realmente é e, sobretudo, a recusa de usar a escrita literária “clássica” como único material de estudo. Quase cem anos depois do surgimento da ciência linguística moderna, que provou que é necessário priorizar a língua falada para o conhecimento do real funcionamento de qualquer idioma humano, somente agora vêm à luz compêndios gramaticais abrangentes que procuram explicar o que é, de fato, a língua majoritária dos brasileiros, sem contrastar os usos “populares” (haja preconceito!) ou “coloquiais” (odeio essa palavra!) à “escrita literária” tomada sempre como “exemplar”. Como é que se faz isso? Vamos ver.
O pronome “ele” é usado como objeto direto (“vi ele”) no português há mais de mil anos: basta ler os textos medievais. Em dado momento da história de sua língua, os portugueses abandonaram esse uso (nenhuma surpresa, já que as línguas mudam sem parar). Ele, porém, continuou vivo e atuante no português brasileiro e africano. No entanto, só porque os portugueses não dizem “vi ele”, esse uso sempre foi tido como “errado”, como se o “certo” fosse sempre apenas o que os 10 milhões de lusitanos falam, em detrimento dos outros 200 milhões de falantes da língua mundo afora! Pois bem, na gramática de Perini, sem nenhum rodeio, encontramos o seguinte: “Alguns pronomes só têm uma forma, que vale para todas as funções. É o caso de ele, ela e seus plurais, que não variam formalmente quando em funções diferentes: Eu chamei ele para ajudar na cozinha; Ela passou no exame da OAB; De repente eu vi eles chegando de táxi.” Já na obra de Castilho temos: “O pronome ele pode funcionar (i) como objeto direto: Maria viu ela; (ii) redobrar uma construção de tópico: A Maria, ela ainda não chegou […]”.
Essas descrições são claras, objetivas, realistas, não lançam juízos de valor sobre os usos da língua: dizem como ela é. Muito diferente de um famoso dicionário que diz que o uso de “ele” como objeto é coisa de “pessoas incultas” ou “cultas descuidadas” ou de uma gramática de filólogo renomado que diz que esse uso, embora “tenha raízes antigas no idioma […] deve ser hoje evitado”, isso depois de atribuir o uso à “fala vulgar”.
Não tem mais cabimento continuar a analisar a língua e, pior, a ensiná-la como se ela não fosse o que é: um universo heterogêno, multifacetado, variável e mutante, com vínculos indissociáveis com a complexidade social e cultural. Temos que abandonar o medo de encarar a língua como um fenômeno complexo e, mais ainda, a tentativa de construir um modelo idealizado e inalcançável de utopia linguística, jogando todos os outros incontáveis e importantes usos na lata de lixo do “erro”.
terça-feira, 3 de maio de 2011
Antes do começo
Outro dia começa.
Um quarto em penumbra
e dois corpos estendidos.
Em minha fronte me perco
numa planície vazia.
E as horas afiam suas navalhas.
Mas a meu lado tu respiras;
íntima e longínqua
fluis e não te moves.
Inacessível se te penso,
com os olhos te apalpo,
te vejo com as mãos.
Os sonhos nos separam
e o sangue nos reúne:
Somos um rio que pulsa.
Sob tuas pálpebras amadurece
a semente do sol.
O mundo
No entanto, não é real,
o tempo duvida:
Só uma coisa é certa,
o calor da tua pele.
Em tua respiração escuto
as marés do ser,
a sílaba esquecida do Começo.
Octavio Paz
quinta-feira, 17 de março de 2011
Sinfonia de Blogs
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Depois do YouTube, das rádios via web e das redes de compartilhamento peer-to-peer, agora a blogosfera também está sendo usada como meio de difusão gratuita de música erudita.
Blogueiros de todo o planeta estão compartilhando suas coleções de discos, colocando-as para download.
Não é preciso ser um expert para conseguir baixar os CDs -basta clicar no link para download, que remete a um servidor no qual os discos estão armazenados. A única dificuldade é que eles normalmente chegam em formato .rar, compactado. Para descompactá-los, é só baixar o 7-zip, um programa gratuito, desenvolvido como software livre, mas que roda em Windows, e que pode ser obtido em http://www.7-zip.org/.
Um dos mais ambiciosos blogs nesta área se chama, sugestivamente, Libros Libres Música Libre (libroslibresmusicalibre.blogspot.com).
Gerenciado por um coletivo que reverencia a memória do educador mexicano Rubén Vizcaíno Valencia, o blog disponibiliza para download gratuito as obras completas de Bach e Beethoven, integrais sinfônicas de Mahler, Bruckner, Tchaikovski e Nielsen, a música de câmara de Brahms e todo o legado fonográfico da soprano Maria Callas, entre outras preciosidades.
Há blogs que se centram em áreas de interesse temático. O italiano Brainle de Champaigne (passacaille.blogspot.com), por exemplo, traz vasto acervo de música medieval, renascentista e barroca, enquanto o argentino Il Canto Sospeso (ilcantosospeso.blogspot.com) está centrado na música dos séculos 20 e 21.
No Brasil, vale especial menção PQP Bach (pqpbach.opensadorselvagem.org), um blog bem-humorado, com diversos colaboradores, textos sobre compositores e intérpretes e oferta bastante diversificada; e o Brazilian Concert Music (musicabrconcerto.blogspot.com), exclusivamente focado na música erudita de autores nacionais, levando ao ar muitos discos que não foram lançados comercialmente e até itens que jamais mereceram edição em CD.
"Caráter cultural"
Todos esses blogs dizem não promover a pirataria, pois não cobram pelo acesso aos discos. Com algumas variações, suas páginas de entrada costumam dizer mais ou menos a mesma coisa: que o caráter dos blogs é meramente cultural e de divulgação; e que, tendo gostado do que baixaram, os internautas devem sempre comprar os CDs originais, cuja qualidade de áudio é superior à dos downloads.
Blogs como PQP Bach e Music Is the Key (orchestralworks.blogspot.com) colocam, ao lado da opção para download gratuito, um link para a compra do CD na loja virtual Amazon. E a página de entrada do Brazilian Concert Music pede a quem se sentir ofendido ou prejudicado com o conteúdo de alguma postagem que avise por e-mail os administradores do blog, que se comprometem a tirá-la do ar.
Não é impossível que na origem de tal precaução esteja o destino do Sombarato, blog especializado em música popular brasileira, com um acervo superior a 2.000 títulos, que teve mais de milhões de acessos em um ano e meio, antes de ser tirado do ar, em setembro do ano passado, pelo Google, devido a ação judicial da gravadora Biscoito Fino.
A base jurídica para tirar o blog do ar foi o Digital Millennium Copyright Act (DMCA), aprovado em 1998, nos Estados Unidos. Entre outras medidas, o DMCA permite que detentores de direitos autorais solicitem aos provedores de serviços on-line que bloqueiem o acesso ou retirem de seus sistemas conteúdos que violem direitos autorais.